Em manifestação recente, a
Presidente do Brasil e atual candidata a reeleição Dilma Rousseff defendeu que
a renda pode ser critério de seleção para a escolha de bolsista no programa
Ciência sem Fronteiras.
Tal posição, assim como as
cotas para negros em universidades públicas, suscita discussão referente,
principalmente, ao chamado princípio da igualdade, disposto na Constituição
Federal.
O princípio da igualdade
deve ser entendido, para melhor análise, dentro de um contexto histórico.
Existem, por esse parâmetro, três interpretações que devem ser dadas a este
princípio: igualdade perante a lei, igualdade na lei e igualdade através da
lei.
A igualdade perante lei,
oriunda do Estado Liberal, pertencente ao conhecido lema da Revolução Francesa
“igualdade, liberdade e fraternidade”, ensinado nas escolas. Esta igualdade diz
respeito a o que buscavam os revolucionários e decapitadores da época, ou seja,
a fim dos desmandos dos reis e nobres, a introdução das leis oriundas do poder
popular que regulassem as relações entre o Estado e os cidadãos, os Códigos, e
não Decretos, vontade dos nobres, originados de uma hierarquia que buscava-se
destruir. Assim, nesse sentido que a igualdade aparece no lema dos
revolucionários burgueses de outrora, ou seja, o fim da
hierarquia entre cidadãos e administradores.
Porém, com as idéias do
Socialismo, surge um novo conceito de igualdade, mais atrelado a igualdade de
condição, de oportunidade entre os indivíduos. Para esses filósofos, a
Igualdade somente poderia existir se ocorresse uma igualdade de condição em que
todos os cidadãos nascessem com a mesma igualdade de condições.
Mas é necessário frisar que
esse entendimento de igualdade também não teve seu completo êxito. O Estado
passou a tratar a todos como se iguais fossem, nem levando em consideração as
diferenças existentes entre os indivíduos. Assim, voltou às técnicas
Absolutistas de governo, transferindo para o Estado novamente um poder que já
não detinha.
É neste contexto de voltar a
diminuir o Poder do Estado que surge o conceito de Igualdade através da Lei, ou
seja, a busca da justiça, da igualdade, através do reconhecimento de
identidades e a busca do fim das diferenças entre essas identidades.
Assim, com este conceito de
igualdade conhecido como Igualdade Material, surgem as políticas afirmativas,
como as cotas sociais, e outras medidas como a preferência para que o Estado
escolha micro e pequenas empresas em suas licitações.
Porém, é no ponto de
reconhecimento de identidades que as políticas afirmativas geram os maiores
conflitos. O Estado e os cidadãos, através das leis, sempre entram em conflito
sobre quais diferenças são essas. As estatísticas tentam dar guarida para o
reconhecimento dessas identidades e diferenças que devem ser corrigidas pelo
Estado, quando apontam distorções entre mulheres e homens na política, negros e
brancos nas universidades públicas.
Como uma espécie de Manual
para reconhecimento de identidades, e diferenças que devem ser corrigidas,
Celso Antonio Bandeira de Mello escreveu o livro intitulado Conteúdo Jurídico
do Princípio da Igualdade.
O autor aponta três aspectos
que devem ser considerados: a) o fator de discriminação não pode ser específico
o suficiente para atingir apenas uma pessoa; b) deve haver correlação lógica
entre o fator de discriminação e a disparidade que se pretende mitigar; c) a
razão para esta discriminação deve ser compatível aos interesses do sistema
jurídico.
Assim, voltando à noticia de
que a Presidente Dilma Rousseff pretenda limitar as bolsas de estudo do
programa Ciências sem Fronteiras para estudantes de menor renda, passamos agora
a uma comparação entre a discriminação que se pretende e os ensinamentos de
Celso Antonio Bandeira de Mello.
O
fator de discriminação é específico o suficiente para alcançar apenas uma
pessoa? Não, definitivamente não é. Por óbvio, não existe apenas
uma pessoa de renda baixa no Brasil. Aliás, é logicamente impossível que
pessoas de baixa renda sejam apenas uma pessoa. A medida de existam pessoas de alta
renda, outras de renda menores seriam pessoas de baixa renda.
Há
correlação lógica entre o fator de discriminação e a disparidade que se
pretende mitigar? Pois aí acontece uma dúvida enorme. Qual é a
disparidade que se pretende mitigar? Se for se levar em consideração o fator
renda, a disparidade que se pretende mitigar é meramente econômica, ou seja,
pessoas que participam do programa Ciências Sem Fronteiras necessariamente têm
a oportunidade de ter seus ganhos aumentados? Provavelmente sim. Porém em
nenhum momento o programa Ciências Sem Fronteiras apontou o aumento de renda
dos estudantes e brasileiros como um de seus objetivos, e sim a oportunidade de
adquirir conhecimento e de conviver com a troca de informações com a comunidade
internacional.
Um programa de bolsas de
estudo no exterior tem o condão de mitigar qualquer disparidade? Provavelmente
sim.
Por fim, Há correlação da discriminação que se pretende
com o ordenamento jurídico? A meu ver, não. E explico.
Diferentemente dos programas
de cotas que reservam vagas para negros em universidades ou em concursos
públicos, por exemplo, a limitação da promoção de bolsas apenas para estudantes
considerados de baixa renda excluiria a possibilidade de participação de outros
estudantes, os que não são de baixa renda.
Assim, a exclusividade, a
meu ver, atentaria à igualdade, pois excluiria totalmente os estudantes que não
fossem classificados como de baixa renda do programa, que não é um programa
social, e sim um programa de expansão dos conhecimentos.
Portanto, se “limitar a
concessão de bolsas para estudantes de baixa renda” como afirmam os veículos de
comunicação, a medida atentaria ao princípio da Igualdade. Porém, como vivemos
em uma campanha eleitoral e as manchetes podem ser tendenciosas, é necessário
frisar que nas falas transcritas nos meios de comunicação há a manifestação de
tendência a usar a renda como “critério”, e não como o único critério.
Como um dos critérios para
seleção de candidatos, aí sim a baixa renda pode ser usada. Isto porque outros
critérios não excludentes são usados, como as notas alcançadas na universidade.
Há também um critério
excludente, que não é discutido: o estudante deve ser proficiente na língua do
país que pretenda estudar. Porém tal discriminação me parece inevitável.
Também, há exclusão de Estudantes de áreas como as das Ciências Humanas,
exclusão que deve ser discutida.
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